Vargem atende 71 pacientes em tratamento contra a Aids

Marcelo Luiz Galotti Pereira deu entrevista à Gazeta. Foto: Gazeta
Marcelo Luiz Galotti Pereira deu entrevista à Gazeta. Foto: Gazeta

O dia 1º de dezembro foi instituído pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Dia Mundial de Luta contra a Aids há 30 anos. A data foi instaurada em 27 de outubro de 1988. A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) é uma doença causada pela transmissão do vírus HIV, que afeta o sistema imunológico, tornando o portador propenso a adquirir outras doenças, como infecções. É uma doença viral que surgiu no continente africano e se disseminou pelo mundo todo. O vírus do HIV é transmitido pelo sangue e sêmen.

O infectologista Marcelo Luiz Galotti Pereira, que atende em Vargem Grande do Sul, explica quais as principais formas de contagio. “Em relação ao sêmen, é relação sexual sem preservativo, e ao sangue, é o uso inadequado de seringas. Tudo que for ligado a sêmen, como relação sexual vaginal, relação sexual oral e relação sexual anal pode transmitir a Aids. A contaminação feita pelo sangue, no geral, os usuários de drogas injetáveis são os principais acometidos, mas também tem o famoso canudo de cocaína que sangra a mucosa, contamina e é usado em grupo. Antigamente, a transfusão de sangue era um problema, mas hoje é extremamente controlável”, informou o especialista.

Marcelo comentou sobre a dificuldade que foi trabalhar com pacientes portadores do vírus quando a doença surgiu. “Me formei em 1974 e a Aids surgiu em 1981, com um pico em 1989. Vim para a região trabalhar com isso e era algo difícil, pois estávamos enfrentando uma doença contagiosa e mortal, com pouco a ser oferecido para o paciente, a não ser pedir para ele usar preservativo para não disseminar a doença”, recordou.

“Com o tempo, foram surgindo drogas e hoje temos uma situação confortável, pois há uma gama de medicamentos que garante ser possível controlá-la. Fazendo com que a doença, que antes era mortal e levava sofrimento intenso aos pacientes, se transformasse em uma doença crônica de fácil controle”, comemorou Marcelo.

Na cidade

Na cidade, atualmente há 71 pacientes em tratamento de Aids. Esse ano, a cidade teve 6 casos novos e 3 falecimentos em função da doença. “O atendimento na rede pública de Vargem é algo dignificante. Começou no ano de 2000 comigo e uma funcionária e hoje há um grupo, permitindo que ofereçamos tudo ao paciente, desde infectologista que poucas cidades têm, exames chaves introduzido por ter um infectologista e um serviço montado, que é o exame de carga viral para saber o nível da manifestação da doença no paciente, e o exame CD4, que mostra a condição da imunidade do paciente”, contou o médico. “Por ter um serviço estruturado na Prefeitura, recebemos o medicamento e fornecemos na rede pública, sendo que há cidades em que você precisa transferir o paciente por não ter essa infraestrutura. Esse serviço foi introduzido, funciona, foi preservado de modo que há uma parceria com a Santa Casa para que os pacientes possam ser internados lá, e quando há necessidade, eu vou lá para trabalhar junto”, comentou.

Desafios

Segundo o médico, não há dificuldade no atendimento feito e que o principal problema local é o paciente que não aceita tratamento. “Por parte do atendimento, o que acontece são algumas dificuldades gerais em razão à crise, mas que nem reclamamos por termos saldos positivos. Já por parte dos pacientes, a dificuldade é a social que há em todas as cidades, é o paciente problemático que, por exemplo, foi no pastor dele que disse que vai benzê-lo e ele vai sarar, então ele não vem se tratar, e quando vem, já está em uma situação avançada”, contou Marcelo. “Além do paciente que acredita nos mitos de que o medicamento fará mal, há os usuários de drogas, que são pacientes difíceis por começar a tomar o medicamento e largar ou esquecer”, disse.

Metas

Atualmente, 75% das pessoas vivem com o vírus e conhecem seu estado sorológico. A meta da Unaids, órgão da ONU que cuida da Aids no mundo inteiro, é garantir que até 2030 esse número chegue a 90%, e desses, pelo menos 90% recebam o tratamento e entre os que recebem tratamento,  90% cheguem no estado em que a pessoa não transmite o vírus e consegue manter qualidade de vida sem manifestar os sintomas da aids.

No Brasil, os medicamentos para tratamento da doença são fornecidos pelo governo. “O tratamento fornecido faz com que os portadores tenham uma vida em qualidade e quantidade exatamente igual às pessoas normais, desde que tenha boa adesão”, explicou o médico.

Segundo dados publicados no último artigo da ONU pela Unaids, há 36,9 milhões de casos de Aids no mundo, sendo 1,8 milhão de casos novos. Cerca de 21 milhões dos portadores recebem o tratamento e o número de mortalidade no ano está a 980 mil. “Esses dados são fantásticos, você vê que antes só tínhamos 66% das pessoas conhecendo seu estado de portador do vírus, e hoje passou para 75%, sendo que o objetivo é chegar em 90% em 2030. Do total para os que estão sendo tratados, percebemos que há um número maior de pessoas em tratamento do que sem ele. O número de casos novos mostra claramente que o número de pessoas que estão se contaminando diminuiu. Pela primeira vez na história, temos menos de 1 milhão de pessoas morrendo por Aids, esse ainda é um número alto, mas nunca havia chegado perto”, observou.

Além da meta de 2030, a Unaids fez algumas submetas para ajudar a chegar no objetivo. “Colocaram submetas, a primeira é para 2020 que é ter a mortalidade abaixo de 500 mil, e embora os dados publicados são grandes notícias, ficamos angustiados por achar que não atingiremos. Nós estamos com 980 mil mortes, mas tudo indica que em dois anos não chegaremos a 500 mil. Outra coisa que se pede é que todas as crianças com Aids sejam tratadas e no artigo vê-se que não há nem 50% em tratamento”, explicou. “Provavelmente colocarão submeta para 2025 também, se não atingirmos essas submetas, a meta dos 90% irá para 2035 ao invés de 2030”, lamentou.

Os cinco anos que serão retirados da meta é em função da população de risco não atingida integralmente e o aumento de casos de Aids em alguns países. “As notícias que temos são grandes, mas poderiam ser maiores e o boicote são dois grupos: o primeiro é o aumento de casos na região Norte da África, na região Central da Ásia e no Leste Europeu, pois a estatística vai contra o Brasil, Estados Unidos e França que estão diminuindo os casos; o segundo grupo são homossexuais, prostitutas e usuários de droga”, explicou Marcelo.

Casos

A principal dificuldade consiste no descuido nas relações sexuais. “A faixa etária principal são os jovens, pois como você tem tratamento, menos pessoas morrendo e menor número de transmissão, o pessoal que se cuidava por medo, deixou de se cuidar. O segundo problema é a população que se cuida pouco como profissionais de sexo, moradores de rua e alcoólatras. O terceiro problema está no aumento de casos em idosos, pois com os medicamentos para disfunção erétil, o idoso que tinha encerrado a vida sexual precocemente, voltou a ter atividade sexual, porém é uma geração que não se adapta ao uso de preservativo, aumentando o número de casos”, esclareceu.

O oferecimento de tratamento e a diminuição da transmissão acabaram causando um “desleixo” da população. “Isso é algo constatado, pois quando a doença surgiu, ela veio com preconceitos, em geral, dirigidos aos homossexuais. O primeiro artigo que comunicava uma doença viral que atacava a imunidade e que foi constatada em 16 homossexuais dos Estados Unidos, fez com que a doença se transformasse em ‘Peste Gay’ e um problema dirigido a uma classe”, contou. “O homossexual é um individuo extremamente inteligente e sensível, que quando percebeu que esta doença existia e que era um perigo para si, ele mais do que ninguém começou a se cuidar. Portanto, aquilo que no início era ‘Peste Gay’, deixou de ser uma doença homossexual e passou a ser uma doença heterossexual ao ter vítimas tanto mulheres como homens. Agora que a doença passou a ser tratada e, com isso, se tornou menos transmissível, o pessoal baixou a guarda”, lamentou Marcelo.

Campanha

A época em que o assunto é mais abordado pelos órgãos de saúde é no dia 1º de dezembro que é o dia de combate à doença e no Carnaval. “Um por ser o dia da conscientização e o outro, porque as pessoas perdem alguns cuidados de prevenção ao fazer uma festa, então focamos nessas duas datas”, comentou.

Para o especialista, o ideal é que a doença fosse uma preocupação geral em todos os dias com campanhas de uso de preservativo, sendo um assunto abordado por todos e não apenas na área da saúde. “É necessário que esse assunto seja de toda a sociedade e não de um grupo médico, é necessário que isso seja colocado nas escolas com as crianças na educação sexual e importância do preservativo”, fala o médico. “Nós conseguimos tratar, acolher muito bem em uma estrutura bem sigilosa e carinhosa, com uma agenda aberta onde os pacientes vêm quando querem, de forma que não enfrentam fila. Então é um serviço muito bem estruturado e acolhedor, mas no ponto de vista da prevenção, é necessário mais que isso. As escolas precisam praticar, o jovem precisa se conscientizar e entender”, complementou.

A identificação precoce do problema e a busca imediata pelo tratamento são atitudes que aumentam a qualidade de vida da pessoa e fazem com que ela tenha mais chances de viver normalmente. “Temos uma campanha regular anual que é o Fique Sabendo, para fazer o exame de detecção. Atitudes foram tomadas como apresentar o exame, que é feito em qualquer Unidade de Saúde de maneira sigilosa e disponibilizado na hora. É muito importante que as pessoas façam pelo menos uma vez para saber se são portadoras ou não, e que voltem a fazer toda vez que se descuidaram em uma situação de risco. Se você tem um relacionamento estável e que no início os dois tenham feito o exame, não é necessário que se faça disso uma loucura”, aconselha o médico. “Isso é importante, pois hoje, se você sabe sua condição de portador de HIV, você tem um tratamento caríssimo disponível, que te leva a ter uma vida em qualidade e quantidade igual a qualquer pessoa, além de transmitir minimamente”, complementou o médico infectologista.

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