Duas mil vidas a menos por dia

Quando a Covid-19 chegou a matar cerca de mil pessoas por dia na Itália, em março de 2020, o Brasil estava comovido com a situação enfrentada pelos italianos e receoso com o início da pandemia em território nacional. Passou-se um ano e nesta última semana, o Brasil registrou por cinco vezes mais de 2 mil mortos pela doença em um único dia: 16 de março (2.798 óbitos), 17 de março (2.736), 18 de março (2.659), 10 de março (2.349) e 11 de março (2.207).
No entanto, a sensação de consternação e de receio parece que se esfarelou para muita gente. Não se chocar em perder mais de duas mil vidas em um único dia é começar a aceitar como normal a morte de pessoas por uma doença completamente evitável, caso protocolos simples de serem seguidos fosse efetivamente cumprido.
A semana começou com a prefeitura de São João da Boa Vista decretando Estado de Calamidade. Em Vargem Grande do Sul, essa semana, a morte de uma gestante de 32 anos e do bebê que esperava, causou uma tristeza muito grande. Mas, mesmo esse sentimento não foi o suficiente para sensibilizar alguns moradores que ainda teimam em circular sem máscara pelas ruas.
Por outro lado, o medo de ser acometido pela doença e o pior, a possibilidade de sem ter conhecimento – já que em muitos dos casos, os pacientes são assintomáticos – passar o novo coronavírus para um ente querido que tenha condições de desenvolver um quadro grave da Covid-19, leva muitas pessoas a seguirem orientações que recebem em grupos de WhatsApp e ouvem de políticos, amigos, vizinhos e até de alguns médicos. Acabam aderindo ao chamado tratamento precoce com medicamentos sem comprovação científica e assumem o risco, muitas vezes inconsciente, de danos colaterais bem graves.
Reportagem publicada no dia 26 de fevereiro pelo portal de notícias El País trazia os resultados de um estudo desenvolvido pela Fiocruz Amazônia e pela Universidade Federal do Amazonas observou que pessoas que afirmaram ter tomado ivermectina ou outros remédios como “tratamento preventivo” para evitar a Covid-19, tiveram maiores taxas de infecção que aquelas que não tomaram nada.
“Se eu acredito que essa droga previne, o que é que acontece? Eu baixo a minha guarda. Porque eu tomei a medicação que eu acredito que me protege”, explicou Jaila Dias Borges, professora da Universidade Federal do Amazonas e uma das autoras do artigo. “Não vou me preocupar tanto com as intervenções não farmacológicas porque eu já estou tomando algo que eu acredito mais do que a máscara”.
Em uma explanação muito didática aos vereadores, o infectologista Marcelo Galotti também detalhou os motivos de ainda não existir tratamento precoce contra a Covid-19.
Porém, mais efetivo do que debater algum medicamento, uma vez que não está ao alcance da população a decisão a curto prazo das políticas públicas de combate à pandemia, cabe a cada morador seguir a receita básica de ficar em casa sempre que necessário, quando for preciso sair, use máscara, mantenha a distância entre as pessoas e higienize constantemente as mãos.
Nesta semana, no meio de tantas notícias tristes, o governo federal anunciou a troca do ministro da Saúde. Saiu o general Pazuello e em seu lugar foi nomeado o médico Marcelo Quiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Defensor do isolamento social e contrário ao uso da cloroquina, o médico parece já adaptar o seu discurso ao do verdadeiro estrategista da política de saúde nacional, o próprio presidente Bolsonaro.
A expectativa é que Quiroga atue, ao menos, para ampliar uma medida que, ao lado do isolamento social, tem se mostrado a maior ferramenta nessa luta contra a Covid-19, que é a vacina. O positivo é que o próprio discurso bolsonarista, que era o de negar a vacina, parece estar se moldando a realidade.

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