De volta à sala de aula: vargengrandenses contam como é voltar aos estudos após décadas parados

Sala de aula do EJA no José Gilberto. Foto: Reportagem

Em 1934, a Constituição indicou pela primeira vez que a educação de adultos é dever do Estado, o que foi discutido durante anos e se redemocratizou nos anos 80 como Projeto de Educação para Jovens e Adultos (EJA). Em Vargem Grande do Sul, o programa é oferecido em uma escola municipal, uma estadual e uma escola da rede privada. A Escola Municipal de Ensino Básico (Emeb) Mário Beni tem o projeto há cerca de 20 anos, enquanto que a Escola Estadual José Gilberto de Oliveira Souza mantém as aulas para jovens e adultos há 30 anos.
Segundo a secretaria da Emeb Mário Beni, duas salas foram abertas para o ano letivo de 2018 e o programa atende 51 alunos, que variam entre ex-alunos da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e senhores de 60 anos. O projeto funciona durante todo o ano letivo no período da noite e a lista de espera para o ano letivo de 2019 já está sendo feita. Segundo o Departamento de Educação, o Projeto da Rede Municipal não oferece certificado de conclusão de curso, apenas prepara os jovens e adultos para a Avaliação Oficial para Certificação de Conclusão do Ensino Fundamental I, que acontece na Escola Estadual Benjamin Bastos.
A Emeb Mário Beni tem dois termos de preparação, o primeiro conta com o primeiro ano, o segundo e o terceiro ano do ensino médio, e o segundo termo conta com o quarto e quinto ano do ensino fundamental. Após os alunos passarem nas provas, podem dar continuidade aos estudos. Segundo a secretaria, a maioria dos estudantes segue para a Escola Estadual José Gilberto de Oliveira Souza, por questões de proximidade.
Na Escola Estadual José Gilberto, a coordenadora do projeto é a professora Marielza Bovo. Ela comentou que atualmente o projeto atende duas turmas, o sexto ano do ensino fundamental com 39 alunos, a partir dos 15 anos, e a primeira série do ensino médio com 45 alunos, a partir dos 18 anos.
A escola é a única de rede estadual a oferecer o programa por ser a única a ter período noturno. Para participar do programa, a coordenadora Marielza indica procurar a secretaria da escola na Rua Aparecido Cossi, número 360, no Jardim Dolores.
A escola Dom Pedro II oferece o programa desde 1985, por meio do supletivo para o ensino fundamental quanto para o ensino médio, que dura cerca de um ano e meio até a conclusão. Segundo o professor dirigente João Batista do Nascimento, o supletivo que a escola fornece segue um currículo nacional, com normas e orientações propostas estadual e federal. Atualmente, o programa da Escola Dom Pedro II está com quatro turmas e atende cerca de 130 alunos.

Sala de aula do EJA no José Gilberto. Foto: Reportagem

Alunos falam sobre oportunidades e planos para o futuro

A reportagem da Gazeta de Vargem Grande esteve na Escola José Gilberto de Oliveira Souza para conversar com quatro estudantes que retornaram às salas de aula depois de muitos anos. As histórias são bem parecidas. Ainda muito jovens tiveram que abrir mão dos estudos para trabalhar, ajudando nas despesas da casa. Recentemente, venceram o receio e redescobriram que a educação pode ser a porta para novos horizontes.
O motorista Márcio Airton Satores, 42 anos, contou que havia estudado até a antiga 5ª série do ensino fundamental. “Tinha 14 anos quando meus pais se separaram e tive que começar a trabalhar para ajudar a minha mãe. Acabou que não dei conta de trabalhar e continuar estudando. Trabalhava na fabricação de tubos, postes, era muito pesado”, contou.
Na véspera do Carnaval de 2014, ele sofreu um acidente e ficou afastado pelo INSS. No entanto, ele não podia ficar parado e a equipe do INSS sugeriu que ele retomasse os estudos. Assim, atualmente ele cursa o 6º ano. “Foi a melhor coisa que aconteceu. Hoje tenho mais tempo, mais paciência e tranquilidade e vou continuar estudando até terminar o ensino médio”, disse.
Geraldo Aparecido Pereira, 49 anos, também voltou a estudar no 6º ano. Mas seus planos vão além da conclusão do ensino fundamental e ensino médio. A habilidade de anos trabalhando como pedreiro fez com que ele traçasse como objetivo entrar em uma faculdade de engenharia civil.
Trabalhando desde os 9 anos de idade, ele contou que deixou a sala de aula após a 4ª série. “Tinha que trabalhar para ajudar em casa. E minha família também não tinha muito a cabeça voltada para os estudos”, recordou. Ele contou que em 2010 quase voltou a estudar, mas confessou que ficou com vergonha, porque se achava velho. “Até que em 2016 sofri um infarto. Fui afastado pelo INSS e eles me propuseram a voltar a estudar. Aceitei na hora”, comentou. “Se Deus me der Saúde, só pretendo parar formado engenheiro”, disse.
Almir Gustavo Ribeiro, 33 anos, também é pedreiro. Ele cursou até o 1º ano do ensino médio antes de abandonar de vez os estudos. “Precisei trabalhar. Aí chegava tarde em casa, fui desanimando”, comentou. Mas ele decidiu voltar e retomar a formação. Ele comentou que já estava há dois anos aguardando formar uma turma para que pudesse voltar à sala de aula. “Infelizmente, não é todo mundo que quer voltar a estudar”, lamentou. Cursando o primeiro ano do ensino médio, ele afirmou que o recomeço não foi simples. “O tempo que a gente fica parado complica”, avaliou. No entanto, ele não pretende parar e já planeja em fazer uma faculdade de engenharia civil.
A dona de casa Nilva Helena Basílio, 45 anos, também estudou até a 5ª série e teve que parar para estudar. Morando na roça, ficava ainda mais difícil seguir os estudos. Em 2013, ela sofreu um infarto e também foi afastada pelo INSS. Assim como os colegas, recebeu a proposta de voltar a estudar e aceitou. “Estou achando muito bom. Estou aprendendo coisas novas, parece que os professores atualmente tem mais paciência. Só é difícil acompanhar a molecada, mas a gente tenta”, disse. Cursando o 1º ano do ensino médio, Nilva ainda não decidiu o que fará em seguida. “Quem sabe eu não faça um curso”, disse.
Além das histórias em comum, os quatro alunos elogiaram e estrutura da escola e a dedicação dos professores. Segundo eles, isso é fundamental para que continuem investindo nos estudos.

Almir, Márcio, Geraldo e Nilva contaram como foi voltar a estudar. Foto: Reportagem

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