Vargem Grande do Sul é uma cidade que apesar da sua acentuada expansão urbana a partir da década de 1970, ainda possui muita gente vivendo e trabalhando no campo. Principalmente pequenos produtores, que criam suas famílias na roça e trabalham o dia todo na lavoura ou na lida com o gado de corte e de leite.
Um trabalhador acostumado com imprevistos climáticos, que podem acabar com a produção, com os preços que sobem e descem e afetam o rendimento no final do mês, mas que tem sofrido muito com um problema maior: a insegurança. Muitos furtos e roubos a pequenas propriedades tem tirado o sono dos agricultores e colocado muitos em dúvida sobre a permanência no campo. A Gazeta de Vargem Grande ouviu relatos de cinco produtores sobre os furtos e até casos de violência que sofreram nos últimos meses, com o objetivo de relatar o que o homem do campo de Vargem Grande do Sul tem enfrentado e o medo que aumenta e coloca até a saúde de alguns em risco.
Vagner Strazza
Aos 54 anos de idade, Vagner Strazza ainda trabalha na propriedade adquirida pela família em 1992. Após a repartição da terra entre os familiares, em seu sítio, na estrada da Lagoa Branca, cria gado de leite. Mas nos últimos dois anos, foi furtado duas vezes. Ao todo, foram levados quatro cabeças. Na última vez, teve levado gado e equipamento de ordenha furtados. Cada animal levado, é prejuízo de cerca de R$ 5 mil ao produtor. “E para nós, pequenos produtores, é um valor muito alto. No final, não dá para tirar nada”, comentou.
Para ele, a sensação de insegurança é grande. “Você levanta cedo e vai conferir se o gado está lá, se o equipamento está em ordem. Você fica numa situação pensando em vender ou parar com tudo”, disse. Ele acredita que uma saída possa ser, além da criação de uma patrulha rural, a instalação de câmeras de segurança em pontos das estradas rurais. “A gente vive com medo”, afirmou.
Isabel Andrade
Há 40 anos morando no Sítio Cidreira, na estrada do Barro Preto, Isabel de Paula Andrade, 61 anos, foi furtada duas vezes em 2018. Na propriedade, ela e a família criam gado de leite. Ela conta que no primeiro furto, os criminosos levaram uma novilha com seu bezerro, além de muitos medicamentos, aparelhos para inseminação artificial, equipamentos de ordenha, entre outros. Em início de produção, a novilha levada valia cerca de R$ 5 mil. Ela calcula que o total de prejuízo nesse crime foi de R$ 10 mil. Para inibir a ação de criminosos, foram instaladas câmeras de segurança. Mesmo assim, 40 dias depois do primeiro furto, a propriedade foi atacada novamente. Dessa vez, agiram em uma parte que não era coberta pelas câmeras, levando uma vaca e uma novilha. “Aí reforçamos a segurança, foi instalada cerca elétrica, tem vigilância e ainda recolhemos todo o gado”, disse.
Com essas ações, os custos da produção só aumentam e como o preço do litro do leite não está animador, o resultado financeiro no final do mês não é dos melhores. Para a produtora, uma saída para essa sensação de insegurança seria a instalação de câmeras nas vias de acesso e também uma patrulha rural.
Sebastião Strazza
Primo de Vagner, Sebastião Strazza, 68 anos, vive em sua propriedade, o sítio Morro Alto. “Nasci ali e estou lá até hoje”, disse com orgulho. “Toda a vida trabalhei com gado de leite. Isso já faz mais de 40 anos. Mas há 16 anos, parei e arrendei para a cana”, comentou. No entanto, ainda mantém área de pastagem, onde cria poucas unidades de gado de corte. “Crio três cabeças e preparo até o abate e venda. Compro mais três e segue assim por diante”, explicou.
Em 2018, entraram na propriedade e levaram uma das cabeças. Os outros dois animais se assustaram e fugiram, sendo recuperados pelo agricultor posteriormente. Mas dois meses depois voltaram ao sítio e levaram as duas cabeças restantes. O produtor chegou a adquirir três novos animais, mas está desanimado. “Estou pensando em vender, porque tenho certeza que vão me roubar estes também. Olha só a que ponto chegamos”, lamentou.
Mas não é só o furto de gado que assombra o produtor. Ele possui uma propriedade vizinha, onde no início de 2018, criminosos entraram e levaram sete portas da casa, além da chapa do fogão à lenha e a cuba da pia. “Arrebentaram uma pedra de mármore para levar a cuba. Como pode?”, questionou. “Quem é que vive tranquilo hoje. Antigamente era um sossego, mas agora, a gente vive com medo”, disse. “Eles chegam, rendem caseiro, rendem o dono, ameaçam e a gente tem que torcer para não matar, não machucar. Pede a Deus para levar o que tem e reza para não acontecer nada”, comentou. “Tenho 68 anos e estou pensando se não é melhor vender tudo, porque a tendência é piorar. Para mim, só uma lei mais dura pode ajudar”, disse.
Apohara Avanzi
O veterinário Apohara Ranzani Avanzi, 37 anos, trabalha há 15 anos diretamente com os pequenos produtores rurais de Vargem Grande do Sul e conhece de perto o que esse setor tem sofrido com os furtos constantes em suas propriedades.
Ele também arrendou uma área do Sítio Sobradinho, onde cria gado de corte. Em menos teve cinco cabeças furtadas em quatro crimes. No primeiro, coincidentemente no dia anterior à Romaria dos Cavaleiros de Sant’Ana de 2018, furtaram um garrote e o abateram no pasto. Segundo ele, o serviço foi muito bem feito, desossaram o animal, separaram os cortes e até a língua do garrote foi levada. Segundo Apohara, das cinco cabeças furtadas, três foram levadas e duas abatidas na propriedade.
“É uma sensação muito ruim. Você acorda e pensa logo de cara se alguém mexeu, se está tudo lá”, comentou. “Ficamos receosos de continuar a produção. É uma área arrendada, então pagamos por isso. Levar cinco cabeças no ano é quase o lucro previsto. Um ano que podemos ficar no vermelho”, avaliou Para o veterinário, uma saída seria um trabalho intenso de policiamento e de investigação. “O ladrão se sente pressionado, acaba cortando um pouco a atividade dele”, acredita.
Ameaçado com arma, agricultor ainda não se recuperou
José Faria Ferreira, 62 anos, ainda sente na saúde, os reflexos do roubo que sofreu em maio deste ano. Rendido por dois homens encapuzados em seu sítio próximo à Abengoa, ele conta que tem dificuldade para dormir, que seu psicológico está muito abalado e que o medo de novos assaltos sempre o acompanha. “Do jeito que está, daqui uns anos, não vai mais ter agricultor produzindo alimento, só vai ter cana de açúcar. Porque não tem condições, é muita insegurança”, disse.
Ele cria 40 cabeças de gado, planta hortaliças, produz ovos e vende tudo no comércio local. Trabalha com isso desde os 7 anos, quando começou a ajudar o pai. No dia do roubo, contou que foi até o rio Jaguari, que passa ao fundo da propriedade, para pescar e retornou no final da tarde. Quando se preparava para tomar banho, a dupla de assaltantes armados entrou na residência e o abordou. Foram até a casa de um funcionário e o renderam também, prendendo os dois em um dos quartos da casa.
Segundo o senhor José Farias, eles ficaram o tempo todo sob a mira de uma arma e sendo ameaçados constantemente. “Eles diziam que se eu não entregasse tudo e eles encontrassem alguma coisa de valor que eu não tinha falado, iriam atirar na gente”, contou. Os ladrões roubaram uma caminhonete D20, carregaram a sua caçamba com equipamentos, como ferramentas, inclusive algumas antigas, de família, botijão de gás, roupas novas, botas de couro, bomba, etc., num prejuízo de mais de R$ 70 mil. Ao saírem, depois de três horas, disseram que as vítimas só poderiam deixar o local pela manhã, pois alguém estaria vigiando.
Zé Faria contou que ouviu a caminhonete se afastando e espiou pela fechadura da porta. Percebeu que não havia ninguém e para garantir, até fingiram que estavam passando mal e pediram socorro. Como não apareceu ninguém, ele conseguiu arrombar a porta e pedir ajuda à polícia. “Agora eu vivo doente. Trabalhamos tanto na vida, para conseguir comprar equipamento, essas coisas e eles levam tudo embora. Estou com o psicológico muito abalado”, disse.
Para piorar a situação, no dia 14 de julho, em uma outra propriedade sua, foi furtado novamente. Pelo que pode apurar, os criminosos chegaram em sua terra e saíram a cavalo procurando o gado no pasto. Levaram duas cabeças: uma dele e outra do vizinho. Andaram cerca de 12 km puxando os animais a cavalo, os embarcaram no veículo e foram embora. “Para mim, a principal medida para acabar com tudo isso é fazer o bandido pagar o prejuízo financeiro e psicológico que eles provocam. Ele e também quem compra dele”, disse.
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