A Casa de Passagem Heitor de Andrade Fontão lança a Campanha ‘Nossa Casa Merece Respeito’, com o objetivo de explicar sobre o funcionamento da entidade, bem como desmistificar o estigma e preconceito que parte da população ainda possui. A Casa de Passagem completa neste mês de maio 58 anos.
À Gazeta de Vargem Grande, o diretor da entidade Eduardo Augusto Pereira Novelino, o conhecido Eduardo Caju, informou que a organização Servus Christi é a mantenedora da Casa de Passagem e também da chácara alugada há quase cinco anos.
Hoje, Juliana Andrade é a coordenadora da Casa de Passagem, onde há nove pessoas trabalhando, e Telina Cláudia é a coordenadora da chácara, onde há seis pessoas prestando serviços. Além disso, há 12 voluntários na diretoria à frente da chácara e da casa.
Eduardo explicou, porém, que há cinco anos a Servus assumiu a entidade com um mandato tampão porque não havia mais diretoria, apenas duas pessoas estavam envolvidas com a Casa de Passagem. “Assumimos, fizemos pintura, pagamos umas coisas, regularizamos outras e aí nosso grupo mesmo que continuou e está se revezando na diretoria e na coordenação para manter a entidade”, disse.
O diretor pontuou que o principal desafio que a entidade enfrenta é o estigma da sociedade. “Acham que acolhemos pessoas encostadas, que não querem nada com nada, desde sempre há essa ideia. Porém, as pessoas que ficam na praça são 30 ou 40% do atendimento. Tem os vargengrandenses rotativos, mas existem muitos casos bonitos, de transformação de vida, pessoas que saíram da vida, que são da cidade. Acho que o nosso público hoje deve ser uns 40% itinerantes, então se tem a ideia que só ficamos dando serviço para esse pessoal que está na praça, e eu acredito que a entidade tem um papel muito importante e fundamental”, ressaltou.
Hoje, a Casa de Passagem funciona das 18h às 7h e pode abrigar cinco homens e cinco mulheres durante a noite. Porém, além de local para dormir, também fornece banho, jantar e café da manhã e tem uma média de 8 a 14 atendimentos por dia.
“Quando não há mulheres, que é a minoria, conseguimos abrigar mais homens. Porém, também oferecemos comida e banho. Às vezes a pessoa recebe na porta da casa dela, dá um prato de comida, mas não pode colocar pra dentro. E nós não, estamos com a porta aberta para todos, para ajudar e resgatar, é por isso que nosso projeto se chama Eu Resgato. É ter esse olhar amoroso para perceber quem quer ser resgatado, quem precisa e quer essa ajuda, pois alguns não querem”, disse.
Em cinco anos, porém, Eduardo pôde ver muitos casos emocionantes de transformação. “Eu enxergo o trabalho da casa como uma obra de misericórdia, é uma atitude de amor de um povo, do vargengrandense, tendo nossa porta aberta, que temos um bom diálogo com o Centro Espírita. Então penso que além disso, é uma necessidade gritante. No auge da pandemia em São Paulo eram 50 mil pessoas em situação de rua. A casa não é para quem está em situação de rua, mas para quem está em situação de vulnerabilidade, recebemos famílias, crianças, pessoas que tem uma casa, mas não tem condição financeira para fazer comida, não tem como tomar banho”, explicou.
“Atendemos um casal que o rapaz pegava morango na região, mas eram do Maranhão, e aí quando estavam voltando, ele sofreu um infarto e o ônibus deixou eles no hospital e foi embora. A senhora dormiu no hospital alguns dias, até que indicaram a Casa de Passagem. Eles não conseguiam voltar para a cidade deles e, então, adaptamos a casa e eles ficaram com a gente pelo período de recuperação. Era um casal muito trabalhador, não era envolvido com álcool nem com drogas, mas naquele momento estavam em vulnerabilidade. Inclusive fizemos uma vaquinha para pagar a passagem e mantivemos contato com eles. Criou-se um vínculo”, relembrou.
Eduardo esclareceu que, dependendo da situação, a pessoa pode dormir por alguns dias, mas é necessário manter uma rotatividade para que outras pessoas possam dormir também. “Se é um itinerante, a Promoção Social paga passagem pela cidade destino, geralmente a cidade mais próxima. Nós fazemos acompanhamento, fazemos comunicação com as instituições, se é necessário vamos à delegacia, tiramos documentos. Na casa temos uma equipe técnica que é formada por coordenadora, assistente social e psicóloga, além dos três estagiários”, contou.
Um trabalho pedagógico para humanizar os acolhidos é realizado na entidade. “Incentivamos quem chega lá a tomar banho e lavar suas roupas, pois muitas vezes não querem, ficam muito tempo com a mesma roupa. Temos que incentivar, pois acontece uma desumanização, eles vão regredindo, e temos que resgatar. É pedagógico pedir para lavar seu prato, colocamos como regra da casa tomar banho assim que chega. Demos cara de casa para a entidade, é tudo muito limpo e organizado”, disse.
A chácara
Conforme o informado por Eduardo, a chácara nasceu da necessidade da pandemia e, depois, a entidade seguiu com o trabalho de tirar as pessoas em situação de rua, sendo uma casa fixa, 24 horas por dia, para as pessoas morarem sem rotatividade. “São 16 vagas e as pessoas vão da Casa de Passagem, sendo vargengrandenses que querem sair da situação de rua e trabalham em projetos. É uma casa que a diretoria da Casa de Passagem alugou e mantém. Hoje, há 13 pessoas morando lá. Tem algumas pessoas que estão desde que iniciamos na pandemia, em 2020, e alguns outros não ficam muito tempo, às vezes por não ter temperamento, por não querer ou por se cansar e ter motivação de bebida, por exemplo”, informou.
O diretor contou que já teve caso de a pessoa estar em situação de rua, a entidade fazer todo o trabalho, inclusive de ajudar a tirar os documentos, mas a pessoa não querer ficar na chácara. “Porém, a ideia é a pessoa ficar. Nós fazemos o trabalho de ponte com a família também e, às vezes, a própria família traz porque não tem condição, seja por vícios ou por comportamentos agressivos”, comentou.
Quando há vagas na chácara, a estadia na Casa de Passagem acaba se tornando também um filtro para analisar a possibilidade de abrigar outra pessoa na chácara. “Acolhemos a pessoa na casa e analisamos o perfil, conversamos com a pessoa e explicamos sobre a chácara, pedimos para a pessoa se manter sã e levamos para a chácara. Porque às vezes você tira da rua e a pessoa pula até o muro para fugir. Às vezes o nosso jantar é o único alimento digno que a pessoa comeu durante o dia e, principalmente neste período de frio e chuva, somos mais procurados. Algumas pessoas que estão na rua, no entanto, não querem ir, já fomos atrás, conversamos, mas não podemos obrigar. Resgatamos quem quer ser resgatado e a casa serve como um filtro de oportunidade para mandar pra chácara”, completou.
Orçamento curto
Ao jornal, Eduardo pontuou que os números da casa não batem e, sem eventos, a diretoria que coloca dinheiro, além de contar com doações. “Não recebemos verba pública porque as exigências são tantas que temos que ter um funcionário só para essa documentação e não temos condições. Nesses cinco anos, fizemos três reformas, fechamos para dar mais privacidade para quem chega e para os vizinhos, reformamos as salas, a cozinha e estamos reformando a lavanderia”, disse.
“Como estamos com essa obra, quem estiver fazendo reforma de casa e sobrar cimento, areia, piso, azulejo e puder doar para nós, isso nos ajuda muito, faz muita diferença. Somos a instituição menos prestigiada e que menos recebe verba, a esquecida. Na pandemia, enquanto outras entidades tiveram que fechar, nossa equipe estava nas ruas resgatando pessoas inclusive com Covid-19”, completou.
Todos os doadores, segundo Eduardo, vieram pela Servus, que já realizava um trabalho social e transferiu os doadores e recursos para a Casa.
Números
Dados da entidade mostram que em 2022, ocorreram 1.758 atendimentos e que 467 pessoas passaram, sendo 189 vargengrandenses e 278 itinerantes. Das pessoas atendidas no ano, 7,06% eram mulheres e 92,94% mulheres. Foram registrados, apenas em 2021, uma média de 3.469 alimentações, 3.230 banhos e 2.980 pernoites.
Em 2022, os dados foram ainda maiores, onde foram registrados 1.987 atendimentos e 431 pessoas passando pela entidade, sendo 211 vargengrandenses e 220 itinerantes. Do total, 9,97% eram mulheres e 90,03% eram homens. A Casa de Passagem concedeu uma média de 3.974 alimentações, 3.750 banhos e 3.675 pernoites.
De janeiro a abril de 2023, a entidade já soma 871 atendimentos e 1.742 alimentações fornecidas.
Hoje, conforme informou Eduardo, o orçamento da Casa de Passagem é de R$ 7.559,20 mensal e R$ 90,710,40 anual mantidos com recursos próprios.
O diretor explicou que com as exigências para receber verba pública, o gasto seria de R$ 15.096,30 mensal e R$ 181.155,60 anual, totalizando um déficit mensal de R$ 9.102,96 e um déficit anual de R$ 109.235,52, sendo que, segundo Eduardo, a verba recebida não cobre esse déficit.
Ao jornal, ele informou que aqueles que quiserem e puderem, podem realizar doação de roupas e alimentos para jantar e café da manhã na própria casa, localizada à Rua Maneco Nogueira, nº 261, no Centro. Ou, então, podem doar em Pix, através da chave CNPJ 51.270.288.0001-55.

