Nesta sexta-feira, dia 25, completou um ano que a Lei 4.724/2022, que permite a presença de doula durante todo o trabalho de parto no Hospital e demais unidades da rede municipal de saúde foi publicada no Diário Oficial do Município. No entanto, conforme pôde apurar a Gazeta de Vargem Grande, ainda não foi aberto o cadastramento de doulas, passo inicial para que a lei seja, de fato, cumprida na cidade.
O Projeto de Lei 90/2022, de autoria do vereador Guilherme Contini Nicolau (MDB), foi aprovado na sessão do dia 2 de agosto de 2022 por unanimidade pelos vereadores. Com a lei aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, a presença das doulas durante o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, bem como nas consultas e exames de pré-natal, sempre que solicitado pela gestante e parturiente, fica permitida.
Após a sanção da lei, havia um prazo de 90 dias para que a entrada de doulas fosse regularizada. O jornal procurou o Hospital de Caridade para saber o por quê que a lei ainda não está sendo cumprida e por que o cadastramento das doulas não foi aberto. A Gazeta ainda perguntou se há alguma previsão. No entanto, até o fechamento desta edição, não obteve resposta.
Ao jornal, o vereador Guilherme, autor do projeto, pontuou que a lei foi sancionada e esta em vigor. “Caso não esteja sendo aplicada ou alguém se sentir lesado, pode procurar seu direito jurídico. Lei não se discute, se cumpre”, disse.
A jornalista e doula Eduarda Oliveira, conhecida como Duda Oliveira, de Vargem Grande do Sul, foi a idealizadora do projeto. Ao jornal, ela pontuou que a atuação da doula durante o parto é reconhecida e estimulada pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), além de ser citada como parte da equipe transdisciplinar na Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal mais recente.
Duda explicou que as doulas, ao contrário do senso comum, não atuam só com o parto. Conforme ressaltou, não cabe a doula discutir condutas com o médico, tampouco emitir diagnóstico. “Porém, se engana quem acha que a doula é uma profissional leiga. Cabe sim à doula orientar a gestante quanto às negligências e ajudar a buscar profissionais mais bem capacitados e com condutas que condizem com as diretrizes mais recentes de assistência à gestação e parto”, falou.
“Também cabe à doula ser testemunha de tudo o que a gestante vivenciou, desde o pré-natal até o pós-parto. Portanto, falo com muita certeza que só não gosta de doula e impede a nossa entrada, instituições e profissionais que cometem negligência e violência obstétrica. Só há o que temer, quando há condutas desatualizadas e violentas, baseadas em senso comum, que não priorizam o protagonismo da gestante e muito menos a individualiza”, completou.
A doula pontuou que profissionais da obstetrícia que trabalham verdadeiramente com humanização explicam e incentivam que a gestante busque uma doula, porque sabe que nem todas as informações poderão ser passadas em uma consulta médica, assim como, o médico não terá como atender as demandas emocionais da gestante. “A doula, embora seja uma profissional que responde somente à gestante, também beneficia o sistema público de saúde, com diminuição de insumos e fármacos, além de tornar o processo do parto menos demorado. A presença da doula no processo de parto reduz: 35% da insatisfação com o parto, 50% dos índices de cesárea, 25% na duração do trabalho de parto, 60% dos pedidos de analgesia peridural, 30% do uso de analgesia peridural, 40% do uso de ocitocina e 40% do uso de fórceps. Também há aumento de 15% de partos espontâneos”, informou.
“Engana-se também quem acredita que a doula é dispensável na cesárea. Além de ter muitas informações e direitos a serem estudados durante a gestação, mesmo que o desfecho seja a cirurgia, a doula também se faz necessária no ambiente cirúrgico, auxiliando na redução do estresse da gestante e também na golden hour (hora dourada)”, disse.
Para Duda, para quem tem como prioridade o parto, não é necessário ter uma lei para garantir a entrada da doula. “A Resolução 36 da Anvisa de 2008 traz que: ‘proporcionar acesso a métodos não farmacológicos e não invasivos de alívio à dor e de estímulo à evolução fisiológica do trabalho de parto’. Portanto, a não permissão da entrada e permanência de doulas configura infração sanitária. E, mesmo tendo a resolução da Anvisa, mesmo tendo uma lei sancionada desde 25 de agosto de 2022, que eu mesma elaborei, garantindo a entrada de doulas no Hospital de Caridade de Vargem Grande do Sul, doulas não são permitidas na instituição”, comentou.
À Gazeta, ela contou que não há qualquer informação sobre cadastramento de doulas no Hospital de Vargem, muito menos um cadastramento propriamente dito. “É importante dizer também que doula não substitui acompanhante. A gestante tem direito ao acompanhante (Lei 11.108/2005) e à doula, ao mesmo tempo, sendo duas pessoas diferentes. O acompanhante não pode exercer o papel de doula e a doula não pode exercer o papel de acompanhante. São funções diferentes”, falou.
“E para garantir que todas as gestantes estão realmente sendo atendidas por doulas devidamente certificadas e regularizadas com a instituição, é preciso abrir o cadastramento solicitando documentos da doula e certificado. De acordo com a Lei 4.724/2022, que garante a entrada de doulas em Vargem, o Hospital teria 90 dias para se adequar à lei e permitir a entrada das profissionais, o que não foi feito até agora, um ano depois da sanção da lei”, completou.
Denúncia
No final de maio, Duda fez uma denúncia contra o Hospital no Ministério Público, referente a casos de violência obstétrica. Na denúncia, a doula também se mostrou indignada com o impedimento da entrada de doulas no hospital, mesmo após a aprovação e sanção da lei. Atualmente, o processo está em andamento e corre em segredo de Justiça.
À Gazeta de Vargem Grande, a jornalista e doula ressaltou sobre um trecho dito pelo vereador Guilherme na sessão da Câmara Municipal do dia 6 de junho, onde o vereador contou que algumas pessoas estavam afirmando que a maternidade seria fechada por causa dele, uma vez que ele foi o autor do projeto.
Ainda na sessão, Guilherme explicou que a doula nunca trabalhou como doula no Hospital de Vargem. “Nunca houve um cadastramento. Os relatos que chegaram até mim foram espontâneos e orgânicos. Eu, como doula, sequer posso relatar o parto de uma doulanda. O que eu posso fazer como doula, é agir como testemunha diante de um processo ou denúncia, mas não posso ser a pessoa denunciante de um parto que sequer foi meu”, disse.
“O resultado da denúncia de violência obstétrica feita por mim ao Ministério Público, com auxílio da advogada Letícia Siquelli, foi reflexo de um trabalho jornalístico de dois anos. Por dois anos investiguei o Hospital, recebi relatos, conversei com dezenas de vítimas. Muitas dessas vítimas não quiseram participar da denúncia por medo, vergonha, por temer sofrer mais violências e represálias se precisasse depender do Hospital de Caridade novamente”, explicou.
Duda afirmou que é uma inverdade que a Lei 4.724/2022, elaborada por ela e levada à Câmara pelo vereador Guilherme é responsável por um possível fechamento do Hospital. “Até porque, para fechar a maternidade, primeiro há de ter uma investigação do Ministério Público, que juntará todas as provas contidas na denúncia e questionará o hospital e os responsáveis pela gestão. Caso o Hospital apresente provas de que as violências não procedem, como eles mesmos alegaram, não haverá qualquer condenação ao Hospital”, explicou.
“No entanto, a ameaça ao vereador Guilherme soa como uma confissão de culpa de quem se diz inocente. Fato é, que chegaram relatos a mim, eu apurei com toda a minha técnica jornalística por dois anos, expus os relatos nas redes sociais, houve comoção pública e, posteriormente, formalizei a denúncia”, pontuou.
Ela explicou como as investigações tiveram início. “Como vítima dos profissionais desatualizados e não capacitados para atender na maternidade, resolvi apurar se o que aconteceu comigo era rotina no hospital. De acordo com as minhas investigações e fontes, não houve outra alternativa a não ser levar essas informações e provas ao Ministério Público, porque a investigação e condenação de uma instituição não cabe a mim nem como jornalista e tampouco como doula”, comentou.
“Porém, se quiserem apontar o dedo para um culpado, caso o Hospital seja condenado, que apontem para o sistema que corrobora com a violência contra gestantes e crianças. Mas, se mesmo assim não estiverem satisfeitos, que me deem o crédito por dar voz a mães e mulheres vítimas da violência obstétrica e negligência médica”, finalizou.