
Além da qualidade ruim da água, outro problema enfrentado pelos moradores era a distribuição da mesma na área urbana.
Descreve a matéria que canos de ferro de ¾ de polegada (2,5cm) eram usados para suprir vastas extensões de ruas. “Consequentemente a prefeitura procede a limpeza dos canos para livrá-los de areia, lodo, sapos e minhocas. Porém, não vence. Não raras vezes há falta de água na cidade e o defeito é sempre o mesmo: sapos e cobras completamente decompostos obstruindo a passagem da água”, cita a matéria sobre a qualidade do “precioso líquido” servido ao povo na década de 40 do século passado.
Também quando chovia o problema se acentuava, pois o que escorria pelas torneiras era descrito como “não água, mas um líquido barrento de cor quase preta”. Os filtros não funcionavam e a população tinha então de mendigar água aos que por ventura tinham um poço no quintal.
Durante a seca, embora a água chegasse um pouco mais clara (apenas turvada pelos porcos e descargas de privadas), a maior parte da população, especialmente a classe mais pobre, que não possuía filtros e usava da água para matar a sede, era atingida pelas moléstias do verão. “Tempo em que os consultórios médicos e farmácias ficavam concorridos”.
A luta dos políticos
Os administradores da cidade, prefeitos e vereadores, tinham conhecimento da péssima qualidade da água servida à população e vinham há muito tempo lutando para melhorá-la. A matéria descreve que eles se preocupavam, mas a receita era pouca pelo vulto da obra e a ajuda do governo estadual e federal não chegava para trazer a melhoria que o vargengrandense aguardava há décadas.
A reforma do abastecimento de água era um problema que vinha desafiando as administrações municipais havia muitos anos. “Todos os prefeitos que por aqui têm passado empregaram o melhor de seus esforços para a solução, sem o mínimo resultado, esbarrando sempre com os maiores obstáculos”, fala o redator do jornal Diário de São Paulo.
Cita que na administração do prefeito José de Andrade Fontão, em 1929, foi feito um estudo pelo sr. Francisco Travassos, que não se sabe porque não pode ser executado. (Uma busca na internet e pode-se constatar que em 25 de junho de 1922, os engenheiros Francisco Azevedo e Francisco de Palma Travassos fundam a Azevedo & Travassos, sendo responsável por importantes obras construídas no estado de São Paulo, operando até os dias atuais).
Também descreve que outro prefeito da época, Raimundo de Novaes Gomes (1934/1938) envidou todos os esforços para solucionar o problema, conseguindo apenas a vinda do engenheiro Mena Barreto para novo estudo, não passando daí a solução do caso. Outro político que foi prefeito por um curto período, Olavo Navarro (1934/1935) é citado como tendo conseguido do governo estadual uma verba para a reforma do abastecimento de água, porém, com o seu falecimento, o vargengrandense não ficou sabendo o porquê da não solução do problema.
O prefeito Edmundo Dante Calió (1938/1944) é descrito como tendo se dedicado nas esferas governamentais para solucionar o caso da água de Vargem, não tendo logrado êxito, sendo que na sua gestão foi feita apenas uma pequena reforma, pois a quantidade de água que vinha para os reservatórios da cidade continuava escassa e impura, por defeitos de captação e pelo aproveitamento de vários córregos que continuavam a atravessar mangueirões de porcos e completamente sem tratamento, chegando às torneiras poluída.
Por um breve período como prefeito, Francisco Azevedo (1944/1945) que era o administrador municipal quando o artigo foi publicado, ao assumir tratou de imediatamente pleitear do governo do Estado meios para a solução do angustioso problema, estando com o engenheiro Braulio Pereira Barreto, do departamento das Municipalidades, que estudou detidamente o assunto, prometendo fazer novo traçado para apresentar ao governo, porém cita o artigo que fala da impureza da água de Vargem, que não tinha até aquele momento, 13 de fevereiro de 1945, sido tomada nenhuma providência oficial para a definitiva solução do problema número um da cidade, a qualidade e a falta de água servida à população.
Matérias visavam chocar as autoridades
As matérias eram de autoria de Benedito Bedin, correspondente do Diário de S. Paulo e que visavam chocar não só as autoridades locais, como também as lideranças do Estado de São Paulo. Benê que nos era conhecido, foi vereador em Vargem, além de fotógrafo, inventor, um dos fundadores da Rádio Cultura e também jornalista, sendo durante algum tempo proprietário do jornal A Imprensa.
Em outra matéria intitulada “Vitaminas da nossa água”, que também faz parte da documentação sobre a qualidade da água que abastecia o município, ele conta como percorreu os locais por onde os córregos que abasteciam de água a cidade corriam e os fotografou para enriquecer as denúncias que agora eram lidas em todo o Estado de São Paulo.
Assim, embora negado pelo então fazendeiro Gabriel Alves que despejava o esgoto sanitário de sua residência no córrego, Benedito comprovou que ele era jogado um pouco acima do córrego, mas que com as águas das chuvas, todos os dejetos acabavam “vitaminando as águas que abasteciam a cidade”.
Também nas proximidades da casa do sítio de José Querubini, entrevistou mulheres lavando roupas no córrego cujas águas iam para as casas dos vargengrandenses sem tratamento. Indagado se elas bebiam daquela água, de pronto uma das mulheres respondeu: “Não senhor, Deus me livre, esta água é muito gorda. Bebemos daquela mina ali”.
Durante as investigações ele notou a presença de urubus por perto do córrego e tomou conhecimento que o sr. Pedro Querubini tinha matado um porco e lavado a barriga no mesmo córrego, atraindo as aves. Foi informado ainda pelo sr. Gabriel Alves que o acompanhava, que às vezes ele fazia polvilho de mandioca brava e usava a água para lavá-lo, mas que nestas ocasiões avisava o encarregado da água na cidade para fechar o registro geral da caixa, evitando envenenar as pessoas.
Disse-lhe Alves que era comum galinhas mortas serem arrastadas para dentro das águas e não raramente o fazendeiro retirava de dentro do córrego as galinhas decompostas completamente. Benedito Bedin então encontrou um frango sem cabeça e o corpo saindo aos pedaços, tudo sendo devidamente fotografado.
Prosseguindo sua reportagem por onde o córrego corria, passou pela fazenda de Dário Marini e até ali contou 22 lavadouros de roupas e depois ainda visitou as propriedades do sr. João Tosato e finalizando a reportagem esteve na fazenda do sr. Vitório Conselheri. Após anotado tudo, voltou para sua casa pois estava na hora do jantar. “Mas, jantamos, hein? Cadê estômago?”, concluiu o jornalista no final da matéria publicada.
Vargem esquecida
Com este título, o correspondente de Vargem do jornal Diário de S. Paulo afirma que a cidade ainda não teve apoio algum do oficialismo, se referindo às autoridades do Estado. Que nunca foram atendidas as súplicas do seu laborioso povo. “Nada se tem conseguido do governo para a melhoria da água que abastece a cidade, e que desde remotos anos continua sendo um despejo de imundice das fazendas por onde ela passa”, escreve Benedito Bedin ao diário da capital paulista.
Nesta matéria citou outros problemas que a cidade convivia, como a falta de luz, problemas de telefonia, questionou os serviços prestados pela estrada de ferro, do campo de aviação e que a Santa Casa esteve fechada por vários anos por falta de recursos. Não poupando também a qualidade da estrada de terra que ligava Vargem aos grandes centros.
Também queixou-se da educação, com poucas classes escolares e da falta de um prédio para funcionar o Posto de Saúde.
