Dôra Avanzi – jornalista e poeta (1953 – 2017)
Quantas estórias nos contas, romarias de Sant’Ana?
Desde a primeira procissão com a imensa cruz
alçada em braços erguidos
levada ao outeiro de Nossa Senhora Aparecida?
Ali se ergueu o cruzeiro, beijando-se suas fitas festivas
os caminhantes e cavaleiros
Christiano, Zé Domingos, Luís Alberto
E tantos outros apeados desta vida.
São lembranças de Rubão, de Miguel e Sebastião,
de Huber, Clóvis e Bié, de Olímpio Cassiano
Falam de Milica e seu cargueiro
de Ditão com Lucas no colo
da parte desse mundo do peão de boiadeiro
que começou na terra e adentra prô céu!
— Vá com Deus, companheiro.
Quantas vidas passam por ti, romarias de Sant’Ana?
Se os mais antigos trouxeram seus filhos,
e seus filhos levaram seus netos
que prosseguem nestas jornadas
em que Sant’Ana vai à frente, abrindo tantos caminhos
seguida pelos seus peões, carroças e burrinhos
Ah! Se já passam os carros de bois lustrosos e mansinhos
Suas rodas gemem saudades
dos caminhos mais antigos
da pequena Sant’Ana da Porteira
que acolhia os tropeiros no pouso
sussurrando-lhes nos sonhos
a edificação da cidade.
Quantas estórias nos contas, romarias de Sant’Ana?
Por certo a da imagem de brinquinhos da pequena padroeira
levada à primeira igrejinha
pela mulher do coronel Mariano Parreira.
Ou o sonho de Celestino desenhado por Cecílio
edificando a Igreja Matriz.
Ou então a tarde do primeiro sino
ressoando às vésperas da noite
na torre do templo sobre a cidade:
Blem Blem! Feliz, feliz!
Ah! por quem tanto esperamos nos domingos azuis de julhos
senão pela longa fila de seus milhares de cavaleiros?
“Não são dezenas, nem centenas…” dizia Monsenhor
Davi feliz como um menino, ao lado do bispo Tomás.
Ecoa lá diante, da subida da Quinzinho,
um berrante vigoroso
— Lá vem, lá vem, lá vem! —
Mas antes que a romaria passe
Uma alegria se adianta plena como a manhã
tangível e certa como o dorso do boi:
estamos tão juntos, tão muitos na praça
que uma graça ali sobrevém —
um destino de pertencer, permanência
de compartilhar a raiz, o passado,
a promessa e o futuro, um sonho talvez
Enquanto a romaria aponta lá diante
E vem.
Quantas vidas passam por ti?
Silvia Avanzi
Convidada a escrever um artigo sobre a Romaria dos Cavaleiros de Sant’ Ana, considerei que nada seria mais digno e bonito para homenagear a data e a nossa cidade do que essa poesia escrita pela minha irmã Dôra Avanzi Nunes e gentilmente cedida pelo seu marido Rubens e os filhos Gabriela e Antônio Pedro. Jornalista como eu, Dôra era também poeta e uma pesquisadora apaixonada pela história de Vargem Grande do Sul. Em “À tua passagem, Senhora”, ela relembra, em versos inspirados, as raízes da criação da romaria e os personagens que dela participaram, como o nosso pai Sebastião Avanzi, o Goiabeira, um dos integrantes da comissão que levantou recursos para a construção do cruzeiro de madeira erguido na praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida, marco histórico da origem da Romaria dos Cavaleiros de Sant’Ana. Dessa forma, considero homenageados Nossa Senhora, a Romaria, os cavaleiros, Vargem, meu pai e Dôra, uma inigualável cronista da Pérola da Mantiqueira. Salve Sant’Ana!