Romaria dos Cavaleiros de Sant’Ana resistindo e se renovando através do tempo

A Romaria representa a vida. Uns que vão indo, que vão para o céu, e outros que vão lembrando daqueles que se foram, e continua… Então ela não acaba. E isso é muito bonito! (Dôra Avanzi)

Juliana Bologna

A devoção à Sant’Ana em Vargem Grande do Sul vem lá de 1650. Os tropeiros e bandeirantes que por ali passavam em direção a Ribeirão Preto e Sul de Minas Gerais, traziam em suas bruacas a imagem de Sant’Ana, padroeira dos cavaleiros, marceneiros, avós, donas de casa e mulheres no trabalho. Essa devoção começou a crescer entre as famílias que ali se estabeleceram, tornando-se posteriormente a padroeira da cidade.
Sant’Ana teve sua primeira capela construída em 1874, mas só se tornou paróquia em 1891. Em 1º de dezembro de 1921, foi finalmente criado o município de Vargem Grande. Em 1974, celebrando também o centenário da cidade, iniciou-se uma procissão, que se tornou a famosa Romaria dos Cavaleiros de Sant’Ana.

A história começa com a queda do cruzeiro.
Em 1974 acidentes inusitados e desastres naturais começaram a acontecer na cidade. Circulavam rumores de que o motivo de tais desastres era a queda do antigo cruzeiro, colocado na Praça Nossa Senhora Aparecida.
Um pequeno grupo de amigos decidiu construir um novo cruzeiro para substituir o antigo, então percorreram o comércio pedindo doações. Para transportar o novo cruzeiro no local anterior, alguns cavaleiros e o prefeito da época tiveram a ideia de organizar uma procissão em homenagem a Sant’Ana, e o centenário da cidade.


A primeira romaria saiu da igreja de Santo Antônio, passou pela Matriz de Sant’Ana, chegando à igreja de Nossa Senhora onde o novo Cruzeiro foi erguido. Fitas coloridas foram penduradas para a cerimônia do beija-fitas, “tradicional cerimônia idealizada pelos antigos cavaleiros que beijavam as fitas em homenagem ao cruzeiro, indiretamente à Nossa Senhora, pretendendo fazer as pazes com Nossa Senhora para proteger de volta a cidade” (Dr. Ranzani).
Depois da romaria, o prefeito agradeceu pessoalmente a cada cavaleiro e pediu-lhes que voltassem todos os anos no dia de Sant’Ana, 26 de julho. Ali se firma uma tradição celebrada há 50 anos. No ano seguinte, o número de participantes aumentou. “Não eram dezenas, nem centenas, eram milhares de cavaleiros” (famosa frase do Monsenhor Davi lembrada por muitos – Dôra Avanzi).


Abrindo a Romaria está a comissão de frente composta por cavaleiros portando o estandarte de Sant’Ana e as bandeiras oficiais, seguindo os carros de boi com as imagens de Sant’Ana, Nossa Senhora Aparecida, São Joaquim, Santo Antônio, os padroeiros das paróquias, os santos de cada comunidade, acompanhados pelos párocos nas montarias. Charretes, carroças, comitivas e então os cavaleiros e amazonas. O formato básico da romaria e o Ritual do Beija-fitas mantiveram-se desde a concepção pelos antigos cavaleiros, resistindo através do tempo.


Ao longo dos anos a Romaria vai incorporando novos elementos como a benção na saída, na Matriz e ao longo do trajeto, os carros de boi com as imagens das santas e santos, as homenagens aos Cavaleiros que partiram, os párocos montados, a rainha e princesas da festa, a premiação, o rodeio e festa depois da romaria, o comércio, e o turismo. Também mudou a aumentou o trajeto para poder acomodar as comitivas de cavaleiros, os carros de boi do Sul de Minas, famílias inteiras, filhos, netos e bisnetos dos fundadores, bem como os cavaleiros e amazonas das cidades vizinhas, e o enorme público do percurso, renovando-se. A presença das crianças é tradicional, pois serão elas que darão continuidade à festa que é considerada uma das maiores e mais importantes do Estado.


A iniciativa e os esforços para iniciar e dar continuidade à Romaria de Sant’Ana partem dos Cavaleiros e Amazonas, Comissão Organizadora, Casa da Cultura com o suporte da Igreja, párocos, e da prefeitura.
As características da cultura caipira estão refletidas na Romaria de Sant’Ana, percebidas no estilo de vida, no vestuário, no dialeto, na música, nas traia, nos animais, na devoção. Sua tradição, modo de ser, modo de viver, ritos e mitos estão ali manifestados. “Essa Romaria é muito cara para nós todos porque ela firma muito da nossa tradição de culto, nossa tradição religiosa, e ela é muito feliz porque esse pessoal que fez a cruz nova, aliaram a nossa tradição religiosa à Sant’Ana, nossa padroeira, com os costumes do lugar, pois no começo nós éramos peregrinos, viajantes, tropeiros (Dôra Avanzi para o documentário Cavaleiros de Sant’Ana).


A Romaria dos Cavaleiros de Sant’Ana incorpora elementos de cada época tendo como forte característica a adaptabilidade. Na festa podem ser observadas as coexistências do tradicional e do moderno, do sagrado e do profano, do rural e do urbano.
Baseia-se na memória trazendo o passado para o presente, revivendo tradições antigas nos tempos atuais. É esta adaptabilidade que permite a festa resistir e se renovar, refletindo a permanência e as mudanças socioculturais ao longo do tempo.


A Romaria dos Cavaleiros de Sant’Ana cria uma enorme expectativa no povo da cidade e arredores. Esta festa é cultural, social, religiosa, econômica, política, ética e estética. Todas as dimensões da vida social estão presentes ali.
Há também uma transformação do espaço_tempo: mais do que demarcar um ciclo, é um Domingo de Festa, “de céu azul de Romaria!”, e durante um dia, a cidade torna-se cenário da Romaria dos Cavaleiros de Sant’Ana.

Este texto é o resumo de uma parte da Etnografia da Romaria que complementa o documentário experimental – Cavaleiros de Sant’Ana – disponível no Youtube no canal de mesmo nome, e no grupo aberto no Facebook Cavaleiros de Sant’Ana.
Colaborações bem-vindas. Gratidão.

Dedicado a todos os Cavaleiros e Amazonas, especialmente a Célia, Dôra e Goiaba. Muitas saudades.

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