Ação de Improbidade sobre compra de uniformes e materiais escolares resulta na condenação do ex-prefeito, diretores e empresas
A Justiça condenou em primeira instância o ex-prefeito Celso Itaroti Cancelieri Cerva na Ação Civil Pública 0000362-61.2015.8.26.0653 instaurada para analisar denúncias de irregularidades na compra de uniformes e materiais escolares pela prefeitura. Além de Celso, também foram condenados o ex-coordenador de licitações e compras Dirceu Aparecido dos Reis e a ex-diretora de licitações e compras, Isabel Aparecida Visconde Borges Frigini, além da empresa Ivani Pedro Sória EPP (nome fantasia “Lash Uniformes”), seu responsável, Ivani Pedro Sória, Ederson Luís Balasteguim, Margarete C. F. de Souza EPP (nome fantasia “Tecnocópias”), Margarete Cristina Francischini de Souza e José Roberto Fávero de Souza.
Esta é a terceira condenação de Itaroti. As duas anteriores foram a dos processos sobre a compra de playgrounds e a contratação de uma empresa terceirizada para a Saúde. Ele ainda responde a outras ações civis de improbidade e também a ações criminais.
A Gazeta procurou o ex-prefeito e seus advogados, mas não obteve retorno. Já o advogado Rodrigo Frigini, que faz a defesa de Isabel Aparecida Visconde Borges Frigini, informou que ainda não havia tomado conhecimento da sentença, mas que ela será questionada em grau de recurso. A defesa de Dirceu Aparecido dos Reis também não respondeu à reportagem.
O caso
A suspeita de superfaturamento nas licitações realizadas em 2013 havia sido denunciada pela Gazeta de Vargem Grande em 2014, após requerimento questionando os valores elaborados pelo ex-vereador e atual vice-prefeito, José Roberto Rotta. Ele levou o caso à Câmara e o então prefeito chegou a instaurar uma sindicância que apontou que houve restrição de competitividade e ainda assim, Itaroti rejeitou as conclusões da comissão. A promotoria instaurou inquérito civil para apurar as irregularidades nas duas licitações.
O grupo de promotores que atuou no caso foi formado por Leonardo Meizikas, de Vargem, além de André Luís de Souza, Cleber Rogério Masson, Cleber Takashi Murakawa, Ernani de Menezes Vilhena Junior e José Cláudio Zan.
Inicialmente, foram relacionados como requeridos o então prefeito Celso, os então diretores Dirceu e Isabel. Também foram denunciados a empresa Lash Uniformes, Ivani Pedro Sória, Ederson Luís Balasteguim, a empresa Tecnocópias, Margarete Cristina Francischini de Souza, José Roberto Fávero de Souza, Kayabí Bolsas e Lucas David Garla, além do município de Vargem. A Kayabí e Lucas David Garla foram excluídos da sentença, assim como a prefeitura.
Denúncia
O Ministério Público em sua denúncia apontou que as duas licitações foram montadas, com indevido acúmulo de objetos diversos no mesmo lote, além de exigências irrelevantes, inclusive de personalização. Para a promotoria, a competitividade foi restringida através de cláusulas inseridas no edital e direcionada às empresas que acabaram contratando com o Município, inclusive por valores superfaturados.
Dentre as artimanhas usadas para fraudar as licitações, os promotores falaram em exigências impertinentes e irrelevantes que não traziam qualquer vantagem para a prefeitura de Vargem, como exigir que os cadernos brochuras tivessem ‘pautas na cor preta’. No caso dos uniformes, segundo os promotores as exigências chegaram ao absurdo de exigir etiquetas ‘no meio da parte traseira do decote’.
As diferenças nos preços finais também chamaram a atenção. Uma tinta guache, por exemplo, foi comprado pela prefeitura por R$ 5,00 a unidade, enquanto que nas papelarias da cidade era possível adquirir o produto da mesma marca por R$ 2,59. Só em um caderno de brochura a prefeitura teria pago 1.200% a maior do que o encontrado no mercado. Em 2015, a Justiça concedeu liminar e tornou indisponível os bens dos réus.
Sentença
Em sua decisão, a juíza Marina Silos de Araújo, a 1ª Vara da Comarca de Vargem, entre outros pontos avaliou que as exigências de personalização constantes no edital são “irrelevantes e nada razoáveis, o que evidencia flagrante e pueril direcionamento do pleito licitatório com o claro desiderato de restringir ou mesmo impedir a concorrência, frustrando a competitividade do procedimento licitatório”.
Já nos uniformes, a magistrada alegou ainda não ter verificado justificativa plausível para a exigência de etiquetas com caracteres uniformes na cor “preta” e, ainda, contendo o ano de fabricação “como se tais produtos tivessem prazo de validade predeterminado de acordo com o ano em que fabricados”, ponderou. Para a juíza, “o que se verifica é que houve excessiva e injustificada personalização, formando-se um padrão desprovido de respaldo técnico e restringindo a competitividade do certame”.
Outro fator apontado pela juíza foi a cláusula que determinava a apresentação imediata das amostras personalizadas logo após o encerramento do pregão. A magistrada avalia que esse fator evidencia que o edital foi deliberadamente ajustado às características de produtos já pré-confeccionados ou fornecidos pela vencedora do certame. Ressaltou ainda a acumulação de produtos de naturezas diversas num mesmo lote, o que reduziu a competitividade dos participantes. Isso permitiu que a empresa Lash, vencedora do pregão, apresentasse proposta cujos produtos não personalizados eram superfaturados, sendo que alguns superavam em mais de 100% os preços de mercado. Ainda apontou que restou evidente a formação de cartel para fraudar a licitação.
A juíza ainda avalia que a condução do pregão foi incorreta e admitiu irregularidades. “Os diversos expedientes dos quais os réus lançaram mão para a concretização da fraude foram executados de maneira pueril (para não se dizer até mesmo “inculta”), com a crença de que isso passaria despercebido e não lhes acarretaria nenhum tipo de sanção” afirmou.
Prefeitura
De acordo com a juíza Marina, todas as irregularidades e ilegalidades apontadas na ação civil pública contaram não só com a concordância mas também com a efetiva participação do então prefeito Celso Itaroti, do Coordenador de Licitações e Compras Dirceu e da Diretora de Licitações e Compras Isabel. “Os quais, valendo-se do exercício de suas funções e aproveitando-se dos poderes e/ou facilidades delas decorrentes agiram de modo consciente para obter proveito pessoal ou de outrem a quem queriam favorecer, impedindo, assim, que o Município de Vargem Grande do Sul pudesse contratar de acordo com proposta mais vantajosa ao interesse público”.
Defesas negaram irregularidades
A defesa de Dirceu apontou ilegitimidade passiva, que a licitação foi regular, que não praticou nenhum ato ilícito e também não se uniu a nenhum dos réus para fraudar a licitação ou obter algum tipo de enriquecimento, afirmou que os produtos estavam dentro do preço levantado pelo setor de Licitações, que não houve restrição de competição e que os produtos foram entregues, não havendo dolo ou má ou danos ao erário.
Os argumentos apresentados pela defesa de Isabel foram ilegitimidade passiva, ausência de conduta ilícita, lembrou que os produtos personalizados possuem preço mais elevado e as exigências do edital são comuns na administração, que não foi comprovado indício da conduta ilícita descria na inicial, tampouco demonstração de dano ao erário ou enriquecimento e que os bens foram entregues.
Por sua vez, a defesa de Itaroti pontuou que que a sua conduta não configura improbidade administrativa, que não viu irregularidades na licitação, que a comparação de preços apontadas pela promotoria era descabida, entre outros.
Empresas
A Tecnocopias e seus representantes Margarete e José Roberto afirmaram que não participaram do pregão de uma das licitações e que não venceu o outro, não se envolveram em conluio e que os produtos por serem personalizados, deveriam ser comprados em kits.
Já a Lash e seu representante, Ivani Pedro Sória, afirmou que teve limitado o amplo direito à defesa e princípio de inocência, que agiu dentro da lei, atendeu as exigências do edital e entregou os produtos e que as denúncias contra ela não possuem fundamento.
A Kayabí e seu representante Lucas David Garla também alegou prejuízo na defesa, que seguiu a lei, que atendeu às exigências do edital e que as denúncias careciam de provas.
Condenação
Na sentença, a juíza condenou os réus Celso Itaroti, Dirceu, Isabel, Lash Uniformes, Ivani Pedro Sória, Ederson Balasteguim, a empresa Tecnocópias, Margarete e José Roberto de Souza.
Segundo a sentença, foi comprovado o prejuízo aos cofres públicos. No entanto, não foi possível mensurar o dano. Assim, Celso, Isabel e Dirceu foram condenados a perda da função pública, caso ainda se mantenham na função quando do trânsito em julgado desta sentença; suspensão dos direitos políticos por três anos; pagamento de multa civil de 10 vezes o salário que cada qual recebia na prefeitura, corrigidos e acrescidos de juros e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais por três anos.
Já as empresas e seus representantes foram condenados a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos por três anos.