Lígia de Paiva Ligabue
Neste domingo, dia 28 de julho, Vargem Grande do Sul vai receber mais uma edição da Romaria dos Cavaleiros de Sant’Ana, uma das mais tradicionais expressões religiosas do Estado, com a reunião de centenas de cavaleiros, que em uma procissão montada, saúdam a padroeira da cidade.
A comemoração de Sant’Ana e São Joaquim é celebrada no dia 26 de julho, que ficou marcado na tradição da Igreja católica como sendo Dia dos Avós, uma vez que Ana e Joaquim eram pais da Virgem Maria e avós de Jesus Cristo. Particularmente, a Romaria me lembra muito dos meus avós, tanto os paternos Odília e Hermes Ligabue, quanto os maternos, Glória e Abel Alves de Paiva.
Meus avós foram pessoas muito humildes, simples e trabalhadoras. Não tiveram a oportunidade de permanecer na escola por muito tempo, mas sempre incentivaram seus filhos a estudarem. Acho que a importância do trabalho, da honestidade e da educação é algo que foi passado dos meus avós para seus filhos, deles para seus netos e agora, de nós para nossos próprios filhos.
Vô Hermes foi criado na roça, teve carroção com muares, onde puxava barba timão para o curtume de Aguaí e sempre esteve conectado com a Romaria, que começou em meados da década de 1970, poucos anos antes de eu nascer, Quem o conheceu sabe que ele teve uma vida muito difícil. A morte da mãe ainda muito cedo, o gosto por uma boa cachacinha, a perda precoce de seu filho mais velho, Chiquinho Ligabue, pioneiro dos romeiros, marcaram profundamente meu avô. No entanto, apesar de ter presenciado alguns de seus momentos de vulnerabilidade, a imagem que eu tenho dele é a de um homem muito trabalhador, caprichoso em tudo que fazia, um homem sério, mas que se permitia muitas brincadeiras, especialmente com os netos.
Uma das melhores histórias com o vô Hermes foi quando minhas irmãs e meus primos entornaram o latão de comida do porco que ele cuidava e ele saiu atrás das crianças, esbravejando e falando um monte de impropérios que até hoje faz todo mundo cair na risada.
Já o pai da minha mãe, o vô Belo, parecia ser o oposto do velho Hermes, de quem era muito amigo. Sempre de bom humor, ele adorava tocar sua viola na varanda de sua casa depois que chegava do trabalho, com seu papagaio empoleirado no braço do instrumento. Era uma figura. Vô Belinho sempre trabalhou na roça, apanhando laranja ou cortando lenha e depois, cuidando de chácaras, jardins e hortas na cidade.
As crianças da rua adoravam ele, porque o vô Belo chamava toda aquela turma pra seguir com ele até algum boteco ali da baixada do Rio Verde, onde ele tomava alguma coisa e acabava pagando um refrigerante ou algum doce pra todo mundo. Era uma festa. Vô Belinho me parecia forte como um touro e ironicamente, foi o primeiro avô que perdi, vitimado por um câncer quando eu tinha 15 anos.
A vó Dila, mãe do meu pai, era de uma sabedoria imensa. Eu falo para minhas irmãs que eu tive o privilégio de conviver com ela ainda saudável, cuidando da casa. Mas ela sempre teve a saúde muito frágil, que foi agravada pelo Parkinson. Quando criança, adorava passar em sua casa, filar uma batatinha frita e brincar em seu quintal. Aquela aparência fragilizada tinha por dentro uma fortaleza. Sabia que o alcoolismo do marido era uma doença e explicava isso aos filhos, para que nunca afetasse o amor que tinham pelo pai. Teve que superar a morte do filho mais velho, atravessar as piores fases da doença do meu avô e manteve a família sempre unida.
E mesmo sempre adoecida e acamada nos últimos anos, fez questão de estar presente em meu casamento. Vê-la ali, sentadinha nos primeiros bancos, é uma lembrança que me emociona profundamente. Ironicamente, apesar de lutar contra uma série de doenças, de passar tanto tempo acamada, de já não andar sem ajuda há muitos anos, foi a última a partir, meses após meu casamento. Era uma guerreira.
Já a vó Glória era uma avó que preenchia todos os requisitos do cargo. Carinhosa com os netos, tinha sempre um salgadinho, algum doce para alegrar nosso dia. Cozinhava maravilhosamente bem, apesar de dizer que não sabia fazer bolo – o que não era verdade, porque seu bolo era delicioso. Foi ela quem me ensinou a rezar, quem cuidou de mim e das minhas irmãs quando meus pais trabalhavam. Era em sua casa que passávamos todos os finais de semana da minha infância. Era ela quem me esperava à noite quando eu fazia o curso noturno de espanhol, quem me lembrava da importância de ajudar meus pais no trabalho e quem me contou histórias assustadoras sobre as consequências de não se comportar bem durante a quaresma. Estar com ela no hospital em seus últimos dias de vida, foi um dos momentos mais difíceis que vivi.
Queria ter tido mais tempo com eles. Ser um pouquinho mais velha e ter mais experiência para poder conversar com eles e conhecer quem eram essas pessoas antes de serem meus avós. Afinal, foram seres humanos e tiveram seus defeitos, como meu pai me lembra todas as vezes que eu começo a exaltar alguma pessoa. Mas o que me resta são as boas lembranças e o amor que cada um deixou para nós.
Então, nesse dia 26 de julho, dia de Nossa Senhora Sant’Ana e de São Joaquim, eu vou me lembrar mais uma vez com muito carinho dos meus avós, aqui de longe, na Dinamarca, onde vivo. E vou também pensar nos meus pais e nos meus sogros, avós do Pedro, que certamente gostariam de passar mais tempo e trocar mais experiências com o netinho.